Hospital – pt 1

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Ok pessoal, esse foi um dos primeiros contos que postei aqui no blog. Agora vou postá-lo de novo com algumas coisinhas revisadas!

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Corri.
Eu estava apavorado. Olhei para trás e não vi ninguém, nem aquilo que me apavorava, nem meus amigos. Naquele momento eu me lembrei de todos os inúmeros personagens de filmes, séries e livros que parariam para enfrentar qualquer coisa pelos amigos, mas eu só tinha treze anos de idade e nada nesse mundo me faria parar.
E afinal, de quem foi a maldita idéia de entrar naquela droga de hospital? Ah… Mas antes parecia excelente! Um teste de coragem, e a maravilhosa chance de conquistar o coração de minha amada Natália. Aliás tudo começou a dar errado ali. Existe coisa mais frustrante do que armar todo um esquema assim e não conseguir ficar no mesmo grupo que a garota? No entanto… Não acho que isso tenha qualquer relação com o que veio depois mesmo, então deixa para lá.
Nos dividimos em dois grupos de cinco pessoas, e entramos cada um por uma das duas entradas, uma de frente para a estrada que levava à cidade e a outra para um grande campo verde, que também levava para a cidade. O hospital em si já estava há muito tempo abandonado. Ele não durou muito depois que construíram um mais novo e mais moderno próximo aos centros comercial e o residencial da cidade.
Sempre correu o boato de que enquanto ainda funcionava, vários pacientes, sempre os em estado terminal, afirmavam ver coisas que ninguém mais conseguia. Teve até uma vez em que um médico ficou louco e começou a correr nu pelos corredores do hospital. Ele não feriu ninguém, mas vários registros contam que sua loucura não era comum. Ela tinha surgido do nada, em alguns minutos, e depois, quando ele foi analisado no manicômio, mostrou vários sintomas complexos demais para eu entender, e pelo visto pros médicos também já que nunca chegaram a um diagnóstico. Me lembro de ter ouvido uma vez também sobre quando a porta de entrada, que era de vidro, se quebrou sozinha sem deixar um caco na armação. Tudo se espatifou no chão.
E assim, finalmente consegui parar e respirar. Olhei ao redor. Eu tinha corrido desesperado por não sei quantos metros e agora estava bem perto da grade que cercava o terreno, mas para o meu terror, era a grade do lado errado. Com o medo subindo à cabeça, nem prestei atenção para onde ia e em vez da rua principal, eu via um grande campo com grama alta, o que significava que em vez da saída eu tinha ido para os fundos do hospital, e ali com certeza nunca  que encontraria nenhum sinal de vida humana.
Lembrei do grupo que fiquei quando entramos: Bernardo, Cristina, Andréia e João. Correr tinha me acalmado um pouco, mas agora a visão do gramado infinito tinha reacendido a fagulha do medo. Não tinha lugar nenhum para eu me recostar, para proteger minhas costas, e a sensação de que a qualquer momento algo chegaria por trás me atormentava. Era como se seja lá o que fosse aparecer já estivesse ali atrás de mim, esperando o melhor momento para dar o bote.
Pelo menos agora eu tinha duas rotas de fuga, embora uma fosse tão terrível quanto a outra. Podia correr pelo campo até achar alguma civilização, ou podia refazer o caminho pelo hospital, até o outro lado.
Era uma escolha terrível, mas não precisei pensar por muito tempo. Ou pelo menos acho que não foi… Não consegui ficar mais tempo parado pensando depois que ouvi aquele grito.
Talvez fosse só um animal, o que, se eu estivesse calmo o suficiente para pensar, não teria sido nem de perto a opção mais improvável,  mas no meio do medo e escuridão que eu estava imerso, qualquer coisa parecia o pior possível.
Eu tinha que decidir, e foi o que fiz. Optei por voltar pelo hospital. Eu estava me cagando, mas uma vez que eu passasse pelo prédio, era só correr que eu estaria seguro, enquanto se me arriscasse pelo campo, podia me perder. A grama era bastante alta, e embora eu nunca tivesse visto nenhuma, diziam que ali tinham muitas cobras. Me espantei com esse nível de racionalidade, porque mesmo em situação normal poucos garotos de treze anos pensariam assim. Pelo menos os que eu conheço nunca teriam. Acho que o medo acionou alguma engrenagem na minha cabeça.
Mas mesmo chegando a essa conclusão, eu realmente não queria voltar para o hospital! Lembrei do momento em que Bernardo e Andréia sumiram. Por incrível que pareça, eles disseram que iam ao banheiro e lá foram, antes mesmo que a gente pudesse protestar. Se realmente bateu a vontade ou os dois estavam só querendo uma desculpa para ficar sozinhos, eu não sei, só sei que não estavam lá quando fomos verificar o por que de estarem demorando tanto.
Claro que poderiam ter se perdido no caminho de ida ou volta. Foi realmente o que eu pensei, afinal ninguém do grupo já tinha entrado ali, muito menos sabiam onde ficava um cômodo tão específico como um banheiro (na hora não me ocorreu que se eles estavam tentando ficar sozinhos, não ia importar muito qual lugar entrassem, desde que estivesse vazio).
No entando, depois de alguma procura nós finalmente encontramos algo que supomos ser um banheiro, já que embora estivesse tão escuro que não enxergávamos nada, o chão estava alagado com algo e sentíamos cheiro de ferro que só podia estar vindo de encanamento velho e enferrujado. Até há pouco a luz da lua entrando pelas janelas tinha sido o suficiente para andarem pelos corredores mais amplos, então estávamos economizando a pilha das lanternas, por isso ficamos ali no escuro por algum tempo antes de termos a brilhante ideia de acender uma para ter uma noção do que estava a nossa volta.
Bem, não foi realmente uma ideia brilhante. Assim que acendemos uma das lanternas, a luz revelou que aquilo realmente era um banheiro e que a água que o alagava era estranhamente vermelha. E o cheiro! Ferro eu tinha dito, e realmente era ferro, mas nem de perto o que esperava. Os canos velhos e enferrujados estavam ali, mas não era deles que vinha aquele cheiro tão característico. Agora sim, eu reconhecia como ele era. Sangue.
Cristina gritava histérica, e eu vomitei. João tentou ligar para os celulares de Bernardo e Andréia, mas estavam desligados ou fora da área de cobertura. Eu não sabia se eles tinham chegado a entrar ali naquele banheiro, mas tinha certeza de que não tinham saído. Não haviam pegadas no corredor, fossem molhadas ou secas.
Decidimos procurar o outro grupo. Aquilo já não era mais uma brincadeira. Alguma coisa sinistra tinha acontecido ali, não importa daonde tinha saído aquele sangue. O fato de ser sangue já era macabro o suficiente!  Mas não importava o quanto a gente procurasse, não encontramos ninguém, mesmo rodando todo o andar térreo, que era onde tínhamos combinado de ficar, já que os andares superiores estavam bastante comprometidos pela ação do tempo.
Foi então que João cutucou meu braço, apontando para algum lugar. Ele disse ter visto algo ali, uma sombra ou coisa do tipo, e fomos até lá, apenas para encontrar um quarto vazio, com um leito empoeirado.
-Por que viemos aqui? – perguntou Cristina chorosa.
-Nada, só achei que ainda não tínhamos visto essa sala. – disse João, escondendo o fato de ter visto uma sombra da já apavorada Cristina – Mas claramente está vazio. – e se virou para ir embora.
-Espere. – eu disse subitamente – Ouvi alguma coisa.
Andei pelo quarto sem fazer qualquer barulho, dando pancadinhas nas paredes e escutando com atenção, até que cheguei a uma parte da parede que me pareceu estranha. Bati umas vezes mais para confirmar e ouvi um som oco, seguido de outro som parecido com o de antes.
-Me ajuda aqui João. – disse enquanto me posicionava ao lado da cama, que como em todos os hospitais, tinha rodinhas. Empurramos um pouco para o lado e posicionamos em frente à parede, só que do outro lado do quarto. Tomamos fôlego e empurramos no três.
A cama se chocou contra a parede atravessando-a, e no mesmo instante ouvimos um berro histérico, desesperado, vindo de dentro do cômodo. Olhamos ao mesmo tempo para Cristina, mas ela estava quieta tremendo em um canto. Viramos para a parede quebrada e eu subi na cama, seguido por João, e engatinhei através do buraco. Estava escuro ali, e pouca era a luz que chegava a entrar pela entrada improvisada que fizemos, por isso acendi minha lanterna e iluminei o espaço enquanto passava pela parede.
Lá dentro estava a figura encolhida de Natália.
Demorei um pouco para acreditar que era ela, pois estava toda suja de pó e descabelada, abraçava os joelhos e chorava, gritava para eu me afastar, e quando cheguei perto ela tentou me acertar.
-Natália. Natália! Sou eu! – tentei acalmá-la, segurando seus braços. Ela se debateu por mais algum tempo antes de se cansar e começar a soluçar um choro fraco.
Abracei-a.
Ela chorou mais ainda, e eu a ajudei a se levantar e a caminhar para fora daquele lugar apertado, de volta para o quarto onde João e Cristina nos esperavam, ou deviam estar nos esperando, porque não estavam.
Decidi não falar nada, já que Natália já estava suficientemente desesperada sem eu dizer que duas pessoas tinham acabado de sumir. Saí o mais rápido possível daquele quarto e nos sentamos perto de uma recepção, naqueles bancos alinhados em fileiras onde as pessoas esperavam sua vez. Ali esperei ela se acalmar.
-Natália, onde está o resto do seu grupo?
-Eu… Não sei… – ela disse entre soluços.
-O que aconteceu?
-E… eu… nós entramos no quarto e eu fui ver naquele cômodo anexo, aí tudo ficou escuro e a porta tinha sumido! – ela respondeu, nem um pouco mais calma – E c… Com o seu g… Grupo?
-Err… Na verdade eu também não sei… Bernardo e Andréia sumiram quando foram ao banheiro e João e Cristina desapareceram enquanto eu te tirava de dentro da parede. – respondi, e achei melhor não mencionar o lago de sangue no banheiro. Só a desesperaria mais, e não me ajudaria em nada.
-Eu estou com medo. – disse ela, recomeçando a chorar.
-Eu também.
-Tiago…
-Oi? – respondi, assustado por ela ter usado meu nome tão subitamente.
-Eu quero sair daqui. – ela disse, enfiando a cara no meu peito. Eu fiquei ali paralizado enquanto sentia a minha camisa molhando.
-Vamos. Lá fora procuramos alguém para nos ajudar a procurar os outros.
-Sim.
Mas continuamos parados ali por mais algum tempo, eu olhando para cima e ela chorando no meu peito. Não sabia como classificar a situação. Não era o que eu tinha planejado no início? Não, não era. Agora estava tudo errado. Mas eu estava gostando. Era bom tê-la assim tão frágil nos meus braços. Mas estava mesmo tudo errado…
Então algo estourou à minha direita. Olhei para o lado e não vi nada. Me levantei devagar e senti que Natália me acompanhou, por isso fui recuando devagar junto dela, um passo por vez, para longe da direção do barulho.
Conseguimos chegar até a grande porta de entrada assim.
-Corre, vai. – falei para Natália, que estava atrás de mim, entre eu e a porta.
-Mas…
-Vai, anda!
E ela correu.
Não que eu estivesse bancando o corajoso ou o que, mas ela estava claramente à beira de um ataque de nervos, e isso não seria bom.
Me virei e tentei correr também, mas a porta só sacudiu travada no lugar. Estava trancada. Recuei um passo hesitante e olhei Natália correr pelo pátio, na direção do portão. Tomara que ela chegasse lá, porque nós estávamos realmente precisando de ajuda.
Uma porta bateu atrás de mim com um estrondo, mas quando olhei todas as quatro estavam abertas. Voltei por onde eu vim, e comecei a procurar por qualquer sinal de qualquer ser vivo. Qualquer um que fosse, qualquer coisa que pudesse me acalmar, me dar algum conforto. Agora que eu parei para pensar nisso, reparei que era realmente estranho eu ainda não ter visto nenhum rato, morcego ou inseto que fosse. Nem um ser vivo. Aliás, nem morto. Nada.
E silencioso.
Escuro e silencioso.
Andei a esmo por um tempo, visitando quartos aleatórios, olhando as paredes e o chão. Não achei nada nem ninguém. Estava prestes a voltar para a porta de entrada quando vi uma luz. Por um minuto pensei ser uma lanterna, mas logo ficou claro que era uma luz de teto. Caminhei até lá, com cuidado, e olhei pelo portal.
Lá dentro estava um quarto novo em folha, bem iluminado, limpo e com um paciente deitado na cama. Como aquilo podia estar ali?
-Quem é você? – perguntou o velho.
-Você… Você realmente está aí?
-Por que não estaria? Estou aqui há mais tempo do que queria… E acho que ainda vou ficar por mais algum tempo.
-Esse hospital devia estar abandonado há mais de vinte anos! Um quarto novo com esse com um paciente só pode ser algum tipo de alucinação!
-Para mim você não parece estar alucinando.
-Só posso estar!
-Então pelo menos você está no lugar certo, porque é em um hospital que se tratam pessoas com alucinações.
-Não!
-Sim! E esse é o melhor. Abriu há pouco tempo, tecnologia novíssima.
-Acabou de… – e olhei para o calendário na parede, datando de mais de cem anos atrás.
-Pela sua cara, agora sim você parece mal.
-Com quem o Sr. está falando, Sr. Silva? – disse uma enfermeira que apareceu do nada na minha frente, como que vinda de outra dimensão.
-Oh, um jovem ali fora da porta, que diz que esse hospital está fechado há mais de duas décadas!
-Ora Sr. Silva! Não tem ninguém lá fora! Pare com essas brincadeiras, o senhor sabe que eu não gosto dessas coisas assustadoras. Eu tenho medo!
-Mas como não tem ninguém? Eu o vejo logo ali!
-Olhe bem, agora passou um médico ali, mas não vejo nenhum jovem.
Não agüentei mais isso. Era surreal demais para ser real.
Corri.

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